Armadilha para turistas
Estava visitando a cidade de Florianópolis e tive a oportunidade de observar um golpe que me deixou abismado pelo nível de sofisticação do esquema e como devemos estar sempre atentos, ainda mais no Brasil, terra dos espertinhos. O esquema é relativo à venda de cotas imobiliárias. Fiquei tão intrigado com a situação que pesquisei um pouco mais sobre o tema e sobre pessoas que acabaram tendo prejuízo com o golpe.
Pude observar que o esquema é montado nas cidades turísticas brasileiras. Há reclamações de pessoas que visitaram cidades como Caldas Novas - GO, Olímpia - SP, Barretos - SP, Porto Seguro - BA e Penha - SC.
Primeiramente, vejamos o relato de uma pessoa que foi vítima do esquema (fonte: https://www.proteste.org.br/reclame/lista-de-reclamacoes-publicas/reclamacoes-publicas?referenceid=CPTBR00631882-24):
O esquema
Ao chegar no empreendimento hoteleiro, o rapaz mostra rapidamente a estrutura de piscinas, de restaurante, da sauna, das salas de reuniões e do saguão do hotel, após, um funcionário do hotel pergunta nome, CPF, profissão e renda mensal para preenchimento do voucher com o desconto. Daí já não resta dúvida alguma que é uma tentativa para ludibriar desavisados.
Depois, a estratégia do esquema é uma leve enrolação, talvez para criar expectativa na possível vítima ou para fazer com que se sinta mais pressionada pelo tempo perdido. O funcionário do hotel diz que o consultor está atendendo outra pessoa e que em cerca de 15 minutos pode ser liberado para me atender. Como disse que não esperaria, na hora disseram que por sorte o consultor estava livre e viria imediatamente.
Nisso vem um consultor: teatralmente simpático, camisa estilosa, todo divertido e cheio de querer ser engraçadinho. O consultor utiliza diversas técnicas de engenharia social para fazer um diagnóstico da possível vítima. Pergunta sobre gostos pessoais, profissão, origem, desejos e preferências diversas. No meu caso, o diagnóstico do cara foi um perfil família, então ele bateu na tecla da família por diversas vezes ao contar sobre como conheceu a esposa, sobre o filho etc.
O consultor me levou até uma unidade de apartamento do empreendimento hoteleiro e passou a explicar sobre o conceito de multipropriedade, que é a aquisição de cotas de um quarto de hotel para que o adquirente faça o uso. Em um primeiro momento, não explica de modo profundo como funciona o sistema de cotas, mas prioriza mostrar o apartamento. O consultor mostra como é funcional e bem aproveitado o espaço do apartamento, como é bom o acabamento e os materiais escolhidos, como são bons os móveis e os eletrodomésticos, tudo pra agradar a possível vítima.
Nesse vai e vem, já passou uma hora até que o cara terminou de apresentar o apartamento. A partir disso, o consultor apresenta a suposta história da família que criou o empreendimento hoteleiro e a história da Praia Brava, dizendo mil maravilhas sobre o local, como a limpeza da praia, a segurança e tranquilidade, a proibição de novos empreendimentos (que não sei se é verdade ou não), que o Guga e a Adriana Calcanhoto possuem apartamentos no bairro e qualquer outra suposta vantagem da região.
Posto isso, após mais de uma hora, chega o momento de entrar na sala de negociação: pude observar a presença de oito adultos e, pasmem, uma criança com cerca de cinco anos. O circo é todo montado para que a possível vítima acredite que há mais pessoas negociando no local, porém, do relato de vítimas, verifiquei que é uma estratégia usual utilizar os atores para ludibriar os desavisados.
Numa mesa mais afastada do canto, havia dois homens de meia idade vestidos com trajes sociais. Numa mesa mais ao centro, havia uma suposta vendedora e um casal de meia idade. Numa mesa mais próxima, havia outra suposta vendedora e um casal jovem acompanhado da criança. Todas essas pessoas conversavam sem parar, simulando a negociação e dúvidas sobre o sistema, conforme as conversas que consegui captar.
A estratégia do consultor é prender a possível vítima com o discurso bonito das vantagens da aquisição das cotas e bombardear informações, vencendo a pessoa pelo cansaço mental. Como o brasileiro médio é completamente ignorante, é possível que não entenda muita coisa do que o consultor diz.
Após 1h30 de enrolação, finalmente veio a proposta: aquisição de 1/13 de um apartamento de cerca de 32m² do empreendimento hoteleiro, com um rodízio de utilização de 28 dias anuais, divididos em quatro semanas, sob regime de utilização via sorteio, sendo uma semana na altíssima temporada, 1 semana na alta temporada e duas semanas na média temporada (existe isso?).
A incrível proposta era no valor de R$ 132.900,00 à vista, ou com opções parceladas. O consultor mostrou que era muito fácil adquirir uma cota. Era possível pagar um sinal de R$ 7.200,00 parcelado em até 10x, o saldo restante poderia ser financiado em 8 anos. A parcela inicial seria baixinha, com o pequeno detalhe de que o contrato previa correção de IGPM + 0,5%. Segundo o consultor, o IGPM vem sendo negativo nos últimos tempos.
Após sanada minha curiosidade sobre o que era realmente a oferta, dei sinais de que estava satisfeito com a explicação e queria ir embora, pois estava com fome e já tinha passado o horário bom para almoçar. Nisso pude ver mais algumas técnicas elaboradas para ludibriar os desinformados. O Consultor se levantou para conversar com o "gerente". Após voltar, a vendedora da mesa central se levantou e, em voz alta, anunciou que o casal de meia idade era o mais novo proprietário de uma cota de apartamento, pediu palmas para os felizardos e abriu um espumante.
Nisso, o consultor gritou em voz alta e de maneira teatral: "Esse ama a esposa".
Feito isso, disse mais algumas vantagens e maravilhas do empreendimento e reiterou como era fácil pagar a cota e como seria benéfica a aquisição. Detalhe, não haveria a oportunidade de estudar e calcular detalhadamente a aquisição. Era uma oferta somente para o momento, sob a justificativa de ser "injusto" para com os demais eu adquirir posteriormente tão benévola oferta.
Como caguei para os novos argumentos, foi a vez da mesa do casal jovem se manifestar: a vendedora se levantou e em voz alta parabenizou os novos proprietários de uma cota de apartamento. Mais uma vez, o consultor que me atendi gritou em tom teatral: "esse ama a esposa".
Já cansado de tanta maracutaia e até assustado com a situação, fiquei mais uns 10 minutos ouvindo o consultor insistente e consegui me desvencilhar. No fim, o cara percebeu que eu não iria cair. Levantei e fui embora.
A lição de tudo isso é que eu devo ter cara de bobo para tanta insistência por parte dessa turma toda, além de que perdi quase 2h do meu passeio. Porém, é bom para ficar esperto. Tem malandro em todo o canto e tem gente que cai nessa. Para quem tem a mente fraca, perde pelo cansaço e sai no prejuízo. As técnicas de persuasão são sofisticadas e tentam atacar o emocional da pessoa, seja pela pressão, fome, estresse, constrangimento.
Aparentemente, o sistema de cotas imobiliárias não é ilegal, embora seja claramente desvantajoso para as pessoas que adquirem, a maioria classe média baixa. É um meio pelo qual esses empreendimentos imobiliários e hoteleiros utilizam para levantar fundos. Como as vítimas que adquirem são na maioria pessoas leigas, quem ganha é sempre quem vende esse negócio. Fiquem espertos quando foram visitar as cidades turísticas brasileiras por aí. Não existe almoço grátis (no fim até ganhei o voucher prometido, mas joguei fora, claro).